quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Flor de

E a laranjeira lá ficava ensimesmada, incapaz de compreender a relevância da sua sombra para os que dela gozavam. Frondosa não era, pois de carvalho, aquém de presença, faltava-lhe ainda o orgulho, a capacidade de agigantar de todas essas árvores de outras importâncias ou outros portes. Fosse como fosse, bebiam-lhe o sumo; isso já a fazia feliz.

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quarta-feira, 4 de abril de 2012

Vendetta


Sempre imaginei que um bandido empedernido fosse também duro na queda, especialmente o Zé Carioca. Ao vê-lo tombar assim, a guinchar como uma mulherzinha quando lhe enterrei a lâmina no fígado, o prazer maior não foi a surpresa de ser mais forte que ele, mas sim, a descoberta de que não era tão fraco.

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sexta-feira, 30 de março de 2012

domingo, 18 de março de 2012

Conflito de interesses


Decidido, Alberto acordou um dia com uma certeza: não seria mais Alberto! Ao pequeno-almoço, porém, mudara de ideias. Olhando a mulher, não seria agora que lhe ia começar a fazer as vontades.

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sábado, 17 de março de 2012

Best-Seller


Afonso sempre recusou o epíteto de escritor mórbido. Apenas sabia que ninguém comprava livros para saber da felicidade dos outros.

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sexta-feira, 16 de março de 2012

Sabedoria popular #1


Devagar vai-se longe; e depressa também, podendo até chegar-se mais rápido.

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quarta-feira, 14 de março de 2012

Elevação

Finalmente tinha-lhe posto as malas à porta. Dentro destas, as camisas dele impecavelmente limpas e engomadas, as meias e gravatas separadas por cores. Não seria um divórcio que faria uma senhora perder o nível.

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sexta-feira, 9 de março de 2012

A que horas vens?


Reconstruo-te em verso para te roubar à ausência de novo. Como vício repetido, prostrado na impossibilidade de que me venhas do papel como vinhas da porta de casa: assim, do nada. Reinvento-me então artífice de mão calejada e gesto preciso entre limalha e pó, e mostro-te em placa de rua para que todos saibam que passei por aqui; não por ali. Nesta rua (a tua rua), encontram-se vincados os meus passos de um vai e vem que a chuva não dilui e a memoria não apaga. Mas a luz daquela janela já não recorta a tua silhueta ou no vidro escreves o nome do teu amor. Amanhã, vou ganhar a necessidade de voltar entre sombras e vielas. Espero que não me vejas.


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quarta-feira, 7 de março de 2012

Drama Queen (fábula)


Na floresta, há muito que todos conheciam a queda para o exagero da centopeia — Estou de mãos e pés atados! — queixava-se, frequentemente.

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At the movies #3


— I had a great evening; it was like the Nuremberg Trials.

Mickey in Hannah and Her Sisters

terça-feira, 6 de março de 2012

Soltas #3

A minha mãe ensinou-me que existem coisas impossíveis de serem compradas; sobretudo, quando não se tem dinheiro.

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domingo, 4 de março de 2012

Filomena Esperança 1936 - 2007

Talvez se tenha ouvido um riso a rasgar o silêncio naquele velório — A Esperança deveria ser a última a morrer! — gritava o viúvo, inconsolável.


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No melhor pano cai...

Abandonaram o restaurante a pé, inebriados de vinho e desejo, rindo como colegiais. Ele surpreendeu-a no primeiro beco que cruzaram e resgatou-a da iluminação da rua principal para a penumbra da viela. Beijou-a contra a parede fria, as mãos geladas arrepiando-lhe a pele morna dos seios. Sem se dar conta, ela caiu sobre os joelhos, a cabeça num vai e vem frenético sobre a cintura dele, satisfazendo o desejo incontrolável de engolir aquele homem inteiro. Foi a única nódoa no romantismo desse primeira noite; quando ele ejaculou sem aviso sobre a seda da sua blusa Gucci.

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sábado, 3 de março de 2012

Shopping

Nua, voltou a adorar em frente ao espelho os seios redondos, firmes e empinados. Sorriu, orgulhosa, uma sensação de contentamento que julgava de todo impossível. Ainda assim, que bom seria ter dinheiro para mais um par.

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Gólgota

Perdoa-lhes, pai, pois não sabem o que fazem; depois, se puderes, relembra-me também porque é que alinhei nisto.


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Recreio

An-dó-li-ta, cara-de-amên–do-a,
um-se-gredo, co-lo-redo,
quem-está-livre, li-vre... está!

Porque é que já não me vejo livre de ti como antes?

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sexta-feira, 2 de março de 2012

Hi-Tech

Uma árvore e um livro: Maria gostava de coisas simples. Embalada pelas palavras, deixou-se ficar no aconchego daquela sombra, a brisa a temperar a planície a perder de vista.
Deus, como era agradável, pensou, quando o ecrã se apagou. Se tivesse carregado o iPad, era bem capaz de ter ali ficado a tarde toda.

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Mais

— Devias escrever-me um poema. 
— Quantos queres? 
— Tantos quantos fores capaz. 
— Já não te basta o meu sangue? 
— Não.

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quinta-feira, 1 de março de 2012

At the movies #2




— Gentlemen, you can't fight in here! This is the War Room!



The president in Dr. Strangelove

Um acto de fé


Ajoelho-me no altar da tua feminilidade e comungo de ti.
 — Toma: este é o meu corpo.
Eu que era cego, agora vejo. E sofro!

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Soltas #2

No início era o verbo; depois veio a televisão e a coisa azedou.


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Modernidades

— Amas-me?
— Bué.
— Juras?
— Okápa!

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At the movies #1






— And what in heaven's name brought you to Casablanca?
 My health. I came to Casablanca for the waters.
 The waters? What waters? We're in the desert.
 I was misinformed.

       Rick & Renault, Casablanca

Queres ver o pôr-do-sol na praia?

O teu corpo reluz
como ouro,
no fundo da mina.

Cobiça.

Sou atraído,
feito insecto no breu
e regresso.

Sabes, enchi a mão de areia.
Mas tive o cuidado de a lavar no mar,
antes de te tocar.

A minha mãe ensinou-me a lavar as mãos antes de comer.


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Soltas #1

O que me enche os olhos esvazia-me os bolsos. 


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